Bom dia!
Aos novos assinantes, sejam bem-vindas, sejam bem-vindos.
Nesta edição à beira-mar, trago alguns dos temas que me interessaram nas férias, inclusive dicas de viagem.
Gostou? Tem algum comentário? Me escreve, vou adorar saber sua opinião.
Boa leitura, e até a próxima.
— Juliano
Recontar uma história, 280 anos depois
David Grann já é um dos grandes autores de não-ficção da atualidade. Dois de seus livros já viraram filmes — Z e a cidade perdida e Os assassinos da lua de flores, este último uma produção da Apple TV+ com direção de Martin Scorsese e os atros Leonardo Di Caprio e Robert de Niro nos papéis principais (estreia em outubro, veja o trailer recém-lançado). Em fevereiro, o trio Apple-Scorcese-Di Caprio anunciou que vai repetir a dose com o mais recente livro de Grann, “The Wager”, sobre a tragédia com um navio de guerra inglês na América do Sul em 1742.
Ainda sem data de lançamento no Brasil (sairá pela Companhia das Letras), o livro é um tributo à arte de contar histórias. Com base em extensa pesquisa nos arquivos britânicos, Grann nos transporta para dentro do navio e os infortúnios de sua tripulação nos mares gelados do sul. Parte importante da ação, inclusive, se dá na costa do Brasil, o que promete interesse especial no filme por aqui.
O “Wager” integrava uma expedição enviada pela Coroa britânica para pilhar navios espanhóis carregados de ouro — pirataria patrocinada pelo Estado e amplamente praticada na época. Depois de se perder do esquadrão, o navio atinge uma rocha e vai a pique num ponto remoto da Patagônia chilena. O que se segue é um drama que reflete os limites da natureza humana, tendo como pano de fundo os aspectos mais brutais do imperialismo britânico.
Para além dos acontecimentos, o grande personagem da obra é a história em si: “Esses homens acreditavam que suas próprias vidas dependiam das histórias que contavam. Se não conseguissem contar uma história convincente, poderiam ser amarrados à amurada de um navio e enforcados”.
Para dar o clima exato dos acontecimentos, Grann preenche os buracos nos relatos dos marinheiros (muitas vezes, poucas palavras num diário de bordo) com descrições de outras situações semelhantes. É um recurso que torna o livro acessível e interessante aos leitores leigos na complexa história naval inglesa.
A importância dos relatos fica evidente quando um dos marinheiros, líder do motim contra o capitão, descobre que seu quarto tinha sido invadido por ladrões. O que eles queriam roubar? Seu diário. “As vidas dos antigos náufragos estavam novamente em risco — só que agora o perigo não era dos elementos naturais, mas das histórias que eles contariam à Marinha [na volta à Inglaterra]”.
“The Wager” é uma leitura tão divertida quanto densa, em que aprendemos como acontecimentos de quase três séculos atrás podem ganhar nova vida nas mãos de um mestre na arte de contar histórias.
PS: vocês sabem, não me deixem começar a falar de naufrágios… mas encerro com uma dica de uma leitura incrível no mesmo tema: No Coração do Mar, que conta a história verdadeira que inspirou “Moby Dick”. A resenha que escrevi do livro em 2016 é até hoje o texto mais lido do blog.
Com Paraty virou Paraty
A história do Brasil está em Paraty para qualquer lado que se olhe. Mas uma outra história não está evidente: como Paraty se tornou Paraty, este destino turístico singular, com um centro histórico tão bem preservado?
A resposta está na exposição “Para uma história cultural de Paraty – 1945 – 2012”, recém-aberta na Casa de Cultura da cidade, que se propõe a “contar como Paraty veio a se tornar a cidade com toda a diversidade cultural em que hoje vive”.
Primeiro, aprendemos um dos motivos para preservação do casario praticamente intacto: o isolamento da cidade, quase inacessível de carro até a abertura das rodovias Paraty-Cunha (anos 50) e Rio-Santos (anos 70). Guias turísticos da época recomendavam o acesso pelo mar a partir de Angra.
Em 1945, o governo do Rio reconhece a cidade como “monumento estadual”. Mas é só na década de 60 que a cidade começa a ser descoberta pelo turismo, segundo reportagens da época resgatadas para a exposição. Paulistas endinheirados compram imóveis históricos degradados e começam sua recuperação.
A exposição detalha a intensa atividade cultural — cinema, artes visuais, literatura — que, associada às festas religiosas, mantém o fluxo constante de turistas para a cidade até hoje.
É uma história de resiliência que merece ser conhecida como parte do encantamento com as belezas históricas e naturais de Paraty.
Enquanto você não consegue visitar a cidade, a maior parte do conteúdo da exposição está disponível online.
O oceano de cada um
Tamara Klink acaba de lançar o livro em que conta seu maior feito náutico: a travessia do Atlântico num veleiro, “em solitário”. Mas antes de chegar à Companhia das Letras, a mesma que publica os campeões de venda de seu pai, Amyr, ela já publicara dois livros pela editora Peirópolis.
Em “Mil milhas”, Tamara narra sua primeira viagem sozinha, entre a Noruega e a França, em plena pandemia. Sua prosa poética é carregada de boas sacadas e frases fortes, a transbordar do diário que ela transformou em livro (ilustrado por reproduções do próprio). “Confundo-me entre viver e registrar o que estou vivendo. De modo que, às vezes, sinto viver registrando; outras vezes, sinto que registrar é o que me faz viver. Dou-me conta de ter a contar ao estar contando”, reflete — Tamara também é ativíssima nas redes sociais, narrando em tempo real suas aventuras.
O leitor que embarca de passageiro nessa viagem logo descobre que o tema central, na verdade, é a batalha com seus próprios fantasmas. “A CORAGEM MORA NA BORDA DO MEDO”, abre um capítulo, assim mesmo, em maiúsculas, enquanto ela reflete sobre a decisão de fazer a viagem. “É a loucura mais sensata na qual eu poderia embarcar. Loucura maior seria deixá-la passar.”
Tamara fala de seus amores, da terapia, da relação com as irmãs, com a mãe, a avó. E claro, da relação dificílima (para minha surpresa) com o pai ilustre. “Entendi que não valia a pena lutar pela aprovação do meu pai — só eu habito minha pele, só eu vivo essa minha vida. Não valia a pena insistir na ajuda dele – ele me ensinaria a navegar não me ensinando.” E mais à frente: “Precisei estar a nove mil quilômetros de casa para entender a maneira autêntica do meu pai de demonstrar afeto, a sua maneira assustadora de me ajudar. (…) Aprendi a ser eu mesma, a ser mulher, a não esperar de um homem as respostas para as minhas perguntas crescentes.”
Não é? “Uma mulher precisa viajar. Para descobrir por si mesma aonde é capaz de chegar.”
Em abril de 2021, o diário de Tamara registra a videochamada com a editora que viria a publicar “Mil milhas”, já sugerindo a viagem mais ousada para a qual partiria em outubro daquele ano:
O fim,
quando chega,
puxa a cadeira para um começo.
O tom confessional às vezes escorrega para o juvenil, mas é inegável que Tamara tem tanto talento com palavras como tem com barcos. Ela encontra ritmo, brinca com os sons, mantendo o texto espontâneo e, por isso, universal (como toda arte deve ser). Para nós, que provavelmente nunca vamos nos aventurar num veleiro em alto mar, as travessias que Tamara (e Amyr, é claro) descrevem em seus livros são metáforas poderosas dos nossos próprios trânsitos em terra firme.
Cada um com seu oceano.
Livros no Centro (do Rio)

Para quem ama livros, a região central do Rio de Janeiro oferece um passeio imperdível, que pode ser feito numa tarde.
Comece pelo deslumbrante Real Gabinete Português de Leitura, a biblioteca mais instagramável do país. A visita é rápida — é “apenas” uma sala — mas é de tirar o fôlego.
De lá, caminhe para a Biblioteca Nacional. Além do prédio belíssimo, ela abriga, até 13/9, a exposição Armazém de Periódicos — um passeio pelo gigantesco arquivo de jornais e revistas da Biblioteca, que por lei recebe um exemplar de toda publicação produzida no país. O acervo digital de jornais, aliás, é um tesouro.
Termine na livraria Leonardo Da Vinci, seja para passear pelas prateleiras, seja para um café ou lanche. Fundada há mais de 70 anos, foi frequentada, entre tantos, por Carlos Drummond de Andrade, que dedicou a ela um poema. Sua localização surpreendente— no subsolo de um edifício comercial — não impede que seja até hoje uma das mais vibrantes da cidade.
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