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Hoje falo de “Dom Casmurro”, leitura recente que me fascinou. E outros assuntos mais atuais que chamaram minha atenção.
Espero que gostem. Boa leitura, e até a próxima.
— Juliano
A americana que absolveu Capitu
Mais uma vez, o espanto (falei dele na última edição). Dessa vez, uma dupla descoberta. Primeiro, a obra prima de Machado de Assis, “Dom Casmurro” — sim, descoberta, porque se li na escola, não me recordava de uma linha. Segundo, da virada que se deu na crítica do romance a partir de 1960, com a publicação de “O Otelo Brasileiro de Machado de Assis: Um Estudo de Dom Casmurro”, ensaio da americana Helen Caldwell que inaugurou um novo olhar sobre a heroína dos “olhos de ressaca”.
Traduzido para o português apenas em 2002, o texto de Caldwell é o marco a partir do qual a pergunta mais quente da literatura brasileira — traiu ou não traiu? — começa a pender em favor da inocência de Capitu. É verdade que Bento Santiago, o narrador de sua própria história, já tinha sido apontado como “suspeito”. Mas, até ali, em 60 anos de existência do romance, críticos e leitores pouco questionavam a traição de Capitu. Ela era culpada, estava claro.
Caldwell, uma feminista, “empreende toda uma contra-argumentação, como se estivesse num tribunal”, resume o professor Luís Augusto Fischer na introdução à edição Penguin & Companhia das Letras de “Dom Casmurro”.
“É como se ela tivesse levado em conta a peça de acusação que é Dom Casmurro e então tivesse assumido o encargo da advogada de defesa da acusada, para concluir que não há rigorosamente nenhuma chance de concluir pela culpa (nem pela inocência, acrescentemos)”, resume Fischer. Vale lembrar que Bento, o narrador, era advogado formado em São Paulo.
A americana, responsável pela primeira tradução do romance para o inglês, faz uma detalhada comparação entre a obra de Shakespeare e a de Machado de Assis, autor que ela considera “uma joia que deve ser motivo de inveja para todo o mundo”.
Claro que quem lê “Dom Casmurro” em 2023, mais de seis décadas depois do ensaio de Caldwell, já larga com o pé atrás, procurando as falhas na acusação de Bento Santiago. Elas saltam aos olhos, e fica bem mais difícil concluir, como seus primeiros leitores, que Capitu cometeu o adultério.
Seja qual for sua sentença, “Dom Casmurro” é uma leitura fascinante, que justifica seu lugar como maior obra da literatura brasileira de todos os tempos. Uma “história inesgotável”, como descreve o título da apresentação do professor Fischer.

Em 2021, um parceria entre a Faculdade Zumbi dos Palmares e a agência de publicidade Grey recriou a mais famosa foto de Machado de Assis, finalmente retratado com a pele negra. Um resgate tão tardio quanto essencial.
- Quer mais Machado? Esse podcast da 451 dedicado ao autor está ótimo. O host Paulo Werneck recebe Sergio Rodrigues, que acaba de lançar um romance no qual Machado reencarna no Rio de 2020, e Hélio de Seixas Guimarães, um dos maiores especialistas em Machado de Assis da atualidade, que está coordenando a reedição de todos os livros publicados por Machado (são 26). A coleção será lançada em setembro pela editora Todavia.
Quantos amigos pretos você tem?
Eu começo: nenhum. Não é de hoje que reflito sobre a bolha branca em que vivo e sobre como furá-la. O assunto voltou à tona nessa conversa de arrepiar entre Regina Casé e Mano Brown para o podcast Mano a Mano.
Regina relata uma conversa com o jornalista Marcelo Tas. Espantado com a diversidade nas fotos de amigos em sua parede, Tas questionou: “Regina, como você tem tanto amigo preto?”.
A arista diz ter reencontrado o jornalista dez anos depois, quando finalmente lhe respondeu:
“O Brasil é tão desigual, o Brasil é tão injusto com os pretos, que é só você arrumar um amigo pobre. Se você arrumar um amigo pobre — pode até ser branco — em um ano você tem 10 amigos pretos.”
Mas não adianta ser algo superficial ou esporádico. “Tem ser amigo que quando separa vai dormir com você na sua cama, amigo que entra na sua casa e pode pegar o controle remoto, abrir a geladeira pegar o que ele quiser. Não é ser amigo do office boy, e ele te leva um dia para você ver como é lá na quebrada, por que você tem curiosidade.”
É difícil? Sim. Há barreiras? Muitas. Mas é preciso intencionalidade, palavra que Regina repete quando fala sobre atitudes antirracista. É preciso se mover, “se deslocar no território”.
Eu ainda não sei bem por onde começar, e aceito sugestões. Mas estarei com minha antena ligada.
O PL das Fake News não é sobre Fake News
Ou não diretamente. Ou não especificamente. Seu nome “oficial” é Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, e poderíamos gastar uma edição inteira falando sobre a disputas políticas e semânticas em torno dos nomes de leis. Outro dia.
O fato é que o apelido que o projeto ganhou lá na sua concepção, em 2020, só dificulta o debate em torno dessa proposta tão importante. Na verdade, sua versão atual sequer trata diretamente da desinformação. A essência do texto é a necessária e urgente regulação das redes sociais (que nada tem a ver com censura, registre-se), criando incentivos para que essas plataformas façam melhor sua obrigação de filtrar os conteúdos que chegam para nós, seus usuários, e sejam responsabilizadas por publicações que envolvem crime.
É o que explica Chico Brito Cruz nessa edição do Braincast. Chico é advogado, doutor pela USP, diretor do Internetlab e um dos maiores especialistas em direito digital do país. Ele tem, sobretudo, uma capacidade única de falar do tema de uma forma que todos podemos entender. Eu, que tinha aquele eterna sensação de ter pego a novela no capítulo 90 e nunca entender nada, agora me sinto apto para o debate.
Outra fonte essencial de clareza sobre o projeto é o Pedro Doria, editor do Meio. Nesse vídeo, por exemplo, Pedro resume a abordagem da lei em 1 minuto e meio: “a lei das fake news não quer controlar fake news”. Você pode ver e ouvir o que ele tem dito no Instagram e no YouTube.
Seja qual for sua fonte, vale muito a pena se informar sobre o assunto.
Duas horas de puro Joao Gilberto

Há 25 anos, João Gilberto subia ao palco do Sesc Vila Mariana para um show da turnê em homenagem aos 40 anos da Bossa Nova. Interpretou 36 canções, todas registradas numa fita encontrada dez anos depois por um funcionário do Sesc. A gravação, que acaba de ser lançada nas plataformas de streaming, é uma preciosidade.
Ouvir esse disco é testemunhar tudo de genial que conhecemos de João Gilberto, sobretudo sua interpretação singular de sambas dos anos 40 e 50. Por que a música de João era, essencialmente, uma “recriação — radical — do samba”, como diz Carlos Rennó em texto que acompanha o lançamento.
Para ouvir em loop, e melhorar todas as horas do seu final de semana.
Frase da semana:
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