O reencontro com Lygia nas páginas de seu consagrado “Antes do Baile Verde” é insuspeito. A autora nos transporta para uma situação cotidiana dos anos 50 ou 60 do Brasil, e suavemente nos conduz pelas personalidades complexas e angustiadas de seus personagens. Nos identificamos. Encontramos elementos conhecidos aqui e ali. Até que… num baque, o mundo desaba.
Morte, suicídio, desespero. Como diz Antonio Dimas no posfácio, “fique esperto. Porque, quando você menos espera, as unhas retráteis aparecem e, logo depois delas, o risco na carne, o filetinho de sangue escorrendo”.
Esta coleção de 18 contos é um monumento à arte de contar histórias. Com perícia, Lygia incorpora e descreve uma amplo painel de tipos humanos — a ex-namorada suplicante, o irmão gordinho, até uma cantora lírica inglesa em Xangai. Estão lá também o marido angustiado que “era mudo e só” e a mulher que nunca superou “o moço do saxofone” e reflete sobre a juventude perdida: “Alguém por acaso fica atento ao ato de respirar? Fica sim, mas quando a respiração se esculhamba. Então dá aquela tristeza, puxa, eu respirava tão bem…”.
Pois é.
Por impactante que sejam as belas histórias de Lygia, evocatórias de sentimentos de tristeza ou desalento, a graça com que executa o ofício das letras é um sopro de vida.
- Voltei a Lygia por conta do impecável podcast da 451 sobre ela (falei dele aqui). Será impossível não explorar mais exemplares da coleção reeditada pela Companhia das Letras. Aceito dicas para as próximas aventuras lygianas.